Quem me vê sentado nesta moderna e confortável poltrona
ao lado do grande vitrô de um décimo segundo andar
de um luxuoso edifício de uma região nobre da cidade,
horas a fio, estático,
olhos fixos em lugar nenhum
jogando a fumaça do cigarro para o lado de fora
imagina, evidentemente, que estou pensando em algo sério
que faço plano, que traço metas e objetivos a curto prazo
ou que, no mínimo, penso em alguém ou em alguma coisa.
Mas nada disto me preocupa.
Se já não sou tão jovem para sonhar acordado
também ainda não sou tão velho para apenas esperar a morte.
Não sonho acordado
Não faço planos
Não acredito que o fim esteja próximo.
Se olho fixo para a televisão
sem ver e sem prestar atenção
é apenas para manter os olhos em atividade;
Se observo detidamente os prédios a minha frente
é porque os mesmos são intransponíveis à visão;
Se busco demoradamente os contornos verde-escuros
dos morros que circundam a cidade
e separam as áreas dos cidadãos e dos miseráveis
é apenas para testar minha atual acuidade visual.
Não faço distinção entre os rostos e as figuras
que me passam pela mente
muito menos busco alguém em especial;
Não sinto a diferença
entre o piso seguro do concreto que me sustenta
e o vazio do espaço aberto do além-janela
nem percebo a transição
entre a luz opaca do sol poente
e a luz artificial, multicolorida, que vai iluminando
prédios, pessoas e o asfalto lá embaixo;
Não me preocupa saber
se é segunda ou sexta-feira
se são dezoito ou vinte e quatro horas;
que o tempo, enquanto cronologia,
já não tem qualquer importância para mim.
Deixem-me, portanto, escolher o meu jeito de ser
Deixem-me, por favor, observar apenas a passagem do tempo
Deixem-me, afinal, continuar aqui, sozinho, em paz,
esperando.
Apenas esperando o depois.
S. Paulo-Angélica-12.11.91.