segunda-feira, 16 de dezembro de 2019

Amor, artigo de luxo.


Às vésperas do século vinte e um
já não temos tempo para o amor!

Temos que nos preocupar
com a economia
com a inflação
com o desemprego
e com a violência:
assalto
seqüestro     
e com a corrupção
e com as mordomias.

E o amor?
O amor fica para terceiro
quarto ou quinto planos.
O amor é coisa para desocupado
para quem acertou a sena
para quem já se aposentou
para quem ainda consegue sonhar.

O amor é coisa do passado
é supérfluo
é descartável.
O amor é artigo de luxo.


 S. Paulo-Tubozin-07.03.91.

Aritmética simples.


Aos vinte e cinco anos
afirmei categoricamente:
- Metade da minha vida útil
é já passada.

Concluo, hoje, então,
que tenho apenas
mais quatro anos
de vida útil pela frente.


S. Paulo-Tubozin-09.04.91.


Dúvidas e dúvidas.


Sinto-me angustiado.
Por quê?
Sinto-me pressionado.
Por quem?
Sinto-me acuado.
Por que motivo?

Quero sair
Quero partir
Quero fugir,
correndo,
o mais depressa possível.

Para onde?
Até quando?
E depois?


S. Paulo - Angélica, 12.11.91.

Esperando o depois.


Quem me vê sentado nesta moderna e confortável poltrona
ao lado do grande vitrô de um décimo segundo andar
de um luxuoso edifício de uma região nobre da cidade,
horas a fio, estático,
olhos fixos em lugar nenhum
jogando a fumaça do cigarro para o lado de fora
imagina, evidentemente, que estou pensando em algo sério
que faço plano, que traço metas e objetivos a curto prazo
ou que, no mínimo, penso em alguém ou em alguma coisa.

Mas nada disto me preocupa.
Se já não sou tão jovem para sonhar acordado
também ainda não sou tão velho para apenas esperar a morte.
Não sonho acordado
Não faço planos
Não acredito que o fim esteja próximo.
Se olho fixo para a televisão
sem ver e sem prestar atenção
é apenas para manter os olhos em atividade;
Se observo detidamente os prédios a minha frente
é porque os mesmos são intransponíveis à visão;
Se busco demoradamente os contornos verde-escuros
dos morros que circundam a cidade
e separam as áreas dos cidadãos e dos miseráveis
é apenas para testar minha atual acuidade visual.

Não faço distinção entre os rostos e as figuras
 que me passam pela mente
muito menos busco alguém em especial;
Não sinto a diferença
entre o piso seguro do concreto que me sustenta
e o vazio do espaço aberto do além-janela
nem percebo a transição
entre a luz opaca do sol poente
e a luz artificial, multicolorida, que vai iluminando
prédios, pessoas e o asfalto lá embaixo;
Não me preocupa saber
se é segunda ou sexta-feira
se são dezoito ou vinte e quatro horas;
que o tempo, enquanto cronologia,
já não tem qualquer importância para mim.

Deixem-me, portanto, escolher o meu jeito de ser
Deixem-me, por favor, observar apenas a passagem do tempo
Deixem-me, afinal, continuar aqui, sozinho, em paz,
esperando.
Apenas esperando o depois.


S. Paulo-Angélica-12.11.91.

Lições da vida.


O sofrimento ensinou-me
a não mais sentir dor;

A solidão ensinou-me
a não mais perceber  o vazio;

A desilusão ensinou-me
a não mais ter esperanças;

O tempo ensinou-me
a não mais ter pressa;

A distância ensinou-me
a não mais me preocupar com limites;

A indiferença ensinou-me
a não mais ter paixões;

A privação ensinou-me
a não mais ter ambições;

A discriminação ensinou-me
a não mais crer na igualdade;

A injustiça ensinou-me
a não mais esperar por recompensas;

A vida, enfim, ensinou-me
a buscar a auto-suficiência.


S. Paulo - Tubozin, 13.12.91.

Solidão II.


Ninguém procura a solidão,
acostuma-se a ela;

Ninguém quer a solidão,
mas não se vê, muitas vezes, outra alternativa.


Rio Claro - BRT, 16.09.92.

De novo, a chuva!


Pela primeira vez,
na segurança e na proteção
de um quinto andar de edifício
numa cidade estranha,
observo a chuva cair;
a mesma chuva
que tanto e sempre me tocou.

Daqui do alto eu posso ver
as centenas de telhados vermelhos
o asfalto negro
o verde da vegetação;
todos úmidos e imóveis.
Não vejo pessoas
não vejo animais
não vejo movimento;
mas eu sinto o cheiro da terra molhada
mas eu sinto a existência da natureza
mas eu sinto a presença do passado.

A cidade do interior
As casas baixas e cercadas de árvores
As ruas estreitas, vazias, silenciosas
A chuva compassada e tristonha
Uma sacada no alto
onde um homem
observa tudo
sozinho
imóvel
imutável.


Rio Claro - Avenida 4, 15.09.92.

Amor, artigo de luxo.

Às vésperas do século vinte e um já não temos tempo para o amor! Temos que nos preocupar com a economia com a inflação com o ...